História do Brasil Império - 10 A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão

 

Introdução

No século XIX, a escravidão no Brasil era uma realidade cruel e desumana para os africanos trazidos à força para trabalhar no país. Muitas vezes, esses indivíduos são referenciados apenas como "escravos", mas é importante lembrar que eles eram seres humanos, assim como qualquer um de nós, que foram brutalmente escravizados pelos europeus que acreditavam ser superiores. Neste capítulo, vamos abordar a escravidão de uma maneira mais humanizada, usando os termos "pessoas escravizadas" ou "escravizados" para destacar a desumanidade dessa condição.

O capítulo explora os contextos e usos da mão de obra escrava no Brasil durante o século XIX, incluindo os princípios da Lei Bill Aberdeen e seus impactos no fornecimento de escravizados para o país. Com a proibição da importação de escravizados, o Brasil teve que encontrar diferentes arranjos, com características distintas, para o tráfico interno de pessoas escravizadas. Vamos analisar essas mudanças e entender como elas afetaram a vida dos escravizados nesse período.

1 Contextos e usos da mão de obra escrava no Brasil no século XIX

No início do século XIX, a chegada da família Real portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808 impulsionou a urbanização não apenas da capital, mas também das principais cidades brasileiras. Isso foi acompanhado pela Abertura dos Portos às Nações Amigas, permitindo a entrada de profissionais estrangeiros no Brasil. Dentre esses viajantes, artistas como Jean-Baptiste Debret e Johann Moritz Rugendas produziram narrativas visuais e escritas que nos forneceram insights sobre o cotidiano e a sociedade brasileira da época.

A escravidão era o pilar fundamental da economia brasileira, e os africanos escravizados desempenhavam papéis essenciais tanto em áreas urbanas quanto rurais. A proibição do tráfico de escravizados no Atlântico levou à criação do termo "escravos de ganho", referindo-se aos escravizados que realizavam trabalhos diversos nas cidades e podiam ser alugados, emprestados ou trabalhar por jornada. Eles desempenhavam funções como carregadores, vendedores e prestadores de serviços.

A escravidão urbana no Brasil do século XIX criou uma cultura específica, onde a presença africana era evidente em todos os aspectos da vida urbana. Os escravizados ocupavam uma variedade de trabalhos nas cidades, incluindo mensageiros, cozinheiros, quituteiros, barbeiros e curandeiros, entre outros.

A coartação, ou compra de alforria, permitia que alguns escravizados acumulassem dinheiro suficiente para comprar sua liberdade ou a de seus familiares, proporcionando uma forma de autonomia relativa.

Esses detalhes ilustram a complexidade da sociedade brasileira do século XIX, onde a escravidão era onipresente e os africanos escravizados desempenhavam papéis multifacetados na economia e na vida cotidiana das cidades.

2 Princípios da Lei Bill Aberdeen e seus impactos no abastecimento de mão de obra escrava no Brasil

A Lei Bill Aberdeen, promulgada em 1845, concedeu à marinha britânica o poder de aprisionar navios negreiros brasileiros em qualquer parte do Atlântico, inclusive em águas nacionais, julgando-os como piratas. Isso intensificou o tráfico de escravizados, levando mais de 200 mil africanos ao Rio de Janeiro durante a década de 1840. Apesar das proibições internacionais, o Brasil manteve o tráfico para atender à demanda interna por mão de obra escrava.

Em 1850, foi promulgada a Lei Eusébio de Queiroz (Lei nº. 581), que proibiu definitivamente o comércio de africanos e reprimiu tentativas de burlar a proibição. A lei tinha o objetivo de legitimar a entrada de africanos trazidos ilegalmente após 1831, estimados em mais de 1 milhão de pessoas. Mesmo após sua promulgação, entraram ilegalmente no Brasil mais de 38 mil africanos entre 1850 e 1856.

Essas leis e tratados não eliminaram completamente o tráfico de escravizados, mas provocaram mudanças na economia do Império brasileiro. Os capitais antes destinados ao comércio de escravizados migraram para investimentos em diversos setores, como títulos, ações e empreendimentos imobiliários. Isso contribuiu para o desenvolvimento do tráfico interno de escravizados, deslocando o eixo econômico do Nordeste para o Sudeste do Brasil.

3 Diferentes arranjos e características do tráfico interno de escravizados

Após a proibição do tráfico de africanos para o Brasil em 1850, o sistema escravista persistiu por mais 38 anos. Embora o tráfico transatlântico tenha sido interrompido, o tráfico interno de escravizados continuou a operar, especialmente para atender à demanda crescente da cafeicultura no Sudeste.

Com a proibição do tráfico transatlântico, as províncias do Nordeste começaram a vender escravizados para o Sudeste, onde a produção de café estava em alta. Isso resultou em uma redistribuição significativa da mão de obra escrava dentro do Brasil. A Lei do Ventre Livre, promulgada em 1871, determinou que os filhos de mulheres escravizadas nascidos após essa data seriam livres, enfraquecendo ainda mais a instituição da escravidão. Em 1885, foi aprovada a Lei dos Sexagenários, que libertava os escravizados com mais de 60 anos.

O fim do tráfico interno de escravizados ocorreu na década de 1880, quando pesados impostos foram instituídos para proibir o comércio de cativos entre as províncias. O Brasil se tornou a última nação das Américas a abolir oficialmente a escravidão em 1888, com a assinatura da Lei Áurea. Esse período de transição foi marcado por mudanças sociais, políticas e econômicas significativas, levando à abolição gradual da escravidão no país.

Conclusão

Explorando os intricados aspectos da escravidão no Brasil durante o século XIX, este capítulo lança luz sobre uma era sombria da história do país, destacando não apenas a brutalidade da escravidão, mas também a resiliência e a resistência das pessoas escravizadas. É vital reconhecer que esses indivíduos eram seres humanos, dotados de dignidade, cujas vidas foram marcadas por uma luta constante pela liberdade e pela humanização em uma sociedade que os via como propriedade.

A urbanização impulsionada pela chegada da família Real portuguesa em 1808 transformou não apenas a paisagem das cidades, mas também os padrões de escravidão, dando origem aos chamados "escravos de ganho". Estes indivíduos, apesar das circunstâncias desumanas, encontraram maneiras de acumular recursos para coartação, buscando sua própria liberdade e, às vezes, a de seus entes queridos.

A promulgação da Lei Bill Aberdeen e, posteriormente, da Lei Eusébio de Queiroz, marcou uma mudança significativa na dinâmica do tráfico de escravizados. A proibição do tráfico transatlântico forçou o Brasil a depender do tráfico interno de escravizados, criando uma nova dinâmica nas relações econômicas e sociais do país. O Nordeste, antes um importante centro de comércio de escravizados, viu sua posição diminuir em relação ao Sudeste, onde a produção de café estava em ascensão.

A Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários refletiram as pressões crescentes da sociedade para a abolição gradual da escravidão. O Brasil, no entanto, foi o último país das Américas a abolir oficialmente a escravidão em 1888, com a assinatura da Lei Áurea. Esse ato histórico não apaga os séculos de sofrimento, mas representa um passo crucial em direção à emancipação.

Este capítulo ressalta não apenas a crueldade da escravidão, mas também a tenacidade e a dignidade das pessoas escravizadas, que apesar de todas as adversidades, resistiram e lutaram por um futuro melhor. A história da escravidão no Brasil é uma narrativa de resiliência, uma história de força diante da opressão. Lembrar dessas histórias é não apenas uma homenagem àqueles que sofreram, mas também uma lição para as gerações futuras, uma lembrança de que devemos nos esforçar continuamente pela justiça, pela igualdade e pela dignidade de todos os seres humanos. Somente através do entendimento e da aceitação de nosso passado podemos esperar construir um futuro verdadeiramente igualitário e compassivo para todos.

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