História da Cultura Africana e Indigena - 2 A formação da historiografia africana

 

Introdução

A história da África, desde os primórdios da humanidade até a contemporaneidade, é uma narrativa rica e complexa que reflete não apenas a diversidade cultural e geográfica do continente, mas também as diversas interpretações que foram imprimidas ao longo do tempo. Desde a antiguidade, quando os primeiros hominídeos, os Homo Sapiens, surgiram no que é considerado o "berço da humanidade", a África tem desempenhado um papel crucial na evolução da sociedade humana. No entanto, essa trajetória foi muitas vezes obscurecida por estereótipos eurocêntricos e narrativas depreciativas que influenciaram a historiografia.

Durante as grandes navegações e a era do comércio de escravizados, o contato entre europeus e africanos foi marcado por preconceitos e relatos que perpetuavam visões eurocêntricas de superioridade. Somente a partir da segunda metade do século XX, com os movimentos de independência e o avanço das pesquisas históricas, é que as perspectivas sobre a África começaram a ser revisitadas e corrigidas. A emergência do afrocentrismo e o ressurgimento da África representaram um movimento importante na reinterpretação da história e das culturas africanas, desafiando estereótipos e reconhecendo a contribuição vital do continente para a humanidade. Nesse contexto, a historiografia africana no Brasil desempenhou um papel fundamental, moldada por diferentes correntes intelectuais e transformações sociais.

1 África: da Antiguidade à contemporaneidade

A história da África remonta à Antiguidade, sendo considerada o "berço da humanidade" com a origem dos primeiros hominídeos, os Homo Sapiens. A historiografia antiga sobre a África, muitas vezes, enfocava apenas a região ao norte do Saara, enquanto a compreensão do continente como uma entidade unificada surgiu apenas no século XIX. Nesse período, ideias preconcebidas sobre a África, baseadas em características físicas e pressupostos eurocêntricos, foram disseminadas, contribuindo para estereótipos negativos que persistiram ao longo do tempo.

No contexto das grandes navegações, o contato entre europeus e africanos intensificou-se, resultando em narrativas depreciativas e, posteriormente, no estabelecimento do comércio de escravizados. A historiografia moderna continuou a refletir visões eurocêntricas, com os mapas medievais e as ideias da superioridade europeia sendo perpetuadas. Somente a partir da segunda metade do século XX, com o fortalecimento dos movimentos de independência e o aumento das pesquisas históricas, a perspectiva sobre a África começou a mudar. As historiografias contemporâneas buscam revisitar e corrigir interpretações antigas, reconhecendo as contribuições africanas e superando estereótipos negativos.

2 O afrocentrismo e o ressurgimento da África

O afrocentrismo e o ressurgimento da África surgiram como reação à historiografia eurocêntrica que, historicamente, depreciou o continente africano. Influenciado pela colonização europeia e exploração, o afrocentrismo busca reinterpretar a história e as culturas africanas, desafiando estereótipos e reconhecendo a contribuição significativa do continente para a humanidade. O movimento dos Annales, iniciado em 1930 na França, promoveu uma abordagem mais ampla da história, incentivando estudos multidisciplinares e valorizando fontes negligenciadas.

A virada para novos estudos da África e o surgimento do afrocentrismo foram impulsionados pela criação de instituições de ensino no continente, nas décadas de 1940 e 1950. Universidades africanas foram estabelecidas, contribuindo para a formação de professores e pesquisadores locais. A teoria do afrocentrismo, desenvolvida por Molefi Kete Asante na década de 1980, destaca a centralidade dos interesses, valores e perspectivas africanos, promovendo uma consciência coletiva e resistência à opressão colonial e racial. Essa abordagem busca recentrar os povos africanos, reconhecendo e celebrando suas histórias e culturas.

3 A historiografia africana no Brasil

A historiografia africana no Brasil tem passado por transformações constantes, sendo influenciada por diferentes correntes historiográficas e intelectuais ao longo do tempo. Apesar da inicial falta de ênfase nas pesquisas sobre a África, alguns intelectuais brasileiros contribuíram significativamente para a historiografia africana. Abdias do Nascimento, fundador do Teatro Experimental do Negro em 1944, e Lélia Gonzalez, influenciada pelo afrocentrismo e militante do Movimento Negro, são exemplos importantes. Clóvis Moura, Kabengele Munanga e outros intelectuais recentes também têm desempenhado papéis cruciais no desenvolvimento desse campo.

Abdias do Nascimento, além de suas atividades artísticas, foi exilado por 13 anos após o golpe de 1964, enquanto Lélia Gonzalez, uma importante figura do feminismo negro, destacou as relações entre feminismo e movimentos negros. Clóvis Moura fundou o Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas (IBEA) em 1975, enquanto Kabengele Munanga, antropólogo e naturalizado brasileiro, concentrou-se em temas como negritude, multiculturalismo e relações étnico-raciais. Nos últimos 20 anos, surgiram novos nomes como Silvio Almeida, Djamila Ribeiro, Karla Akotirene e outros, indicando um crescente interesse e engajamento na historiografia africana no Brasil.

Conclusão

A jornada da África, desde a Antiguidade até os dias atuais, é uma narrativa que evidencia não apenas a resiliência e riqueza cultural do continente, mas também as vicissitudes e desafios impostos por interpretações distorcidas ao longo da história. O confronto com estereótipos e visões eurocêntricas foi acompanhado por um movimento de ressurgimento, exemplificado pelo afrocentrismo, que busca restaurar a verdadeira complexidade e contribuições da África para a humanidade.

No Brasil, a historiografia africana, marcada por transformações constantes, encontra-se em um estágio de crescimento e reconhecimento. Figuras proeminentes, como Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez, Clóvis Moura e Kabengele Munanga, desempenharam papéis cruciais na promoção de uma abordagem mais inclusiva e representativa. O surgimento de novos intelectuais e a criação de instituições de pesquisa indicam um crescente interesse e engajamento com a historiografia africana no país.

Para um entendimento mais aprofundado da temática negra no Brasil, iniciativas como o Geledés têm desempenhado um papel essencial, fornecendo recursos e informações desde 1988. À medida que a historiografia continua a se desenvolver, é crucial manter um compromisso com a diversidade de perspectivas e a valorização das contribuições africanas, consolidando uma narrativa mais justa e fiel à complexidade da história africana.

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